Recentemente pessoal, eu e meu pai embarcamos em mais uma aventura por terras goianas. E, novamente, na região de Cocalzinho de Goiás.
A região da Tabapuã dos Pireneus, hotel fazenda nas proximidades da Serra dos Pireneus, guarda um incrível remanescente de Mata Atlântica em pleno Goiás. Portanto, aves desse bioma surpreendentemente aparecem isoladamente nesse fragmento.
Talvez seja um dos últimos, de Mata Atlântica que restou em Goiás.
Cachoeirinhas na Tabapuã |
Então, no domingo, acordamos às 3:50 da manhã, nos arrumamos (roupas, equipamentos), arrumamos nosso lanche (café da manhã) e, às 04:10, pé na estrada. E para nossa "alegria" (só que não) um temporal começa na estrada. Continuamos firmes na estrada por uns 40 km, e, quase chegando em Anápolis/GO, a chuva parou (ufa!).
Continuamos na estrada até chegarmos em Cocalzinho de Goiás. Por volta de 05:50 da manhã, chegamos na porta da Tabapuã dos Pireneus.
A neblina da manhã, no Salto Corumbá, quase chegando na Tabapuã dos Pireneus |
Quando chegamos, nos dirigimos direto para a Trilha da Tirolesa. O fragmento de Mata Atlântica se localiza naquela área. Bem ali, passa o Rio Corumbá, o responsável por trazer a Mata Atlântica para essa região, através das regiões mais ao sul, ligando o bioma a essa região de Goiás.
Logo de cara, na borda da mata, já havia um bando misto, composto por Tempera-viola, Pipira-da-taoca, Guaracavas, Saíras e Saís.
Adentramos a mata. Bem ali, margeando o Rio Corumbá, começamos as primeiras gravações. Pisei na ponte, e fui andando, para atravessar o rio. Olhei para o lado, e ali, no limpo, na margem do rio, estava um Baryphthengus ruficapillus, o famoso Juruva-verde. Eu falei, desesperado "Pai, pai, pai, olha lá meu Deus, um juruva!"...
Tirei umas 2 ou 3 fotos. Como não ficaram boas, apaguei. Aí, para tentar melhorá-las, começamos a tocar o playback do Juruva. Ele danou que respondeu, respondeu de novo, e de novo, porém, oculto na folhagem densa da mata ciliar, o que impossibilitou o registro. Fiquei muito desanimado, afinal, mesmo as fotos não estando boas, não poderia ter apagado elas... :(
Eu fotografando o juruva |
Andando mais um pouco, havia uma pinguela à nossa frente. Ali, os amigos Ivo e André Mendonça me alertaram, por mensagens, sobre a presença de um Conopophaga lineata, o Chupa-dente, outra ave típica da Mata Atlântica.
Chamamos por uns 5 minutos e...BINGO! O bicho começou a se aproximar. E para a nossa sorte, eram 2 chupa-dente. Eles se aproximaram e ficaram bem próximos à nós, porém, no meio das brenhas e arbustos. Um deles saiu em um local favorável e consegui o registro.
Chupa-dente no meio da brenha |
Aí, vieram vários, mas esse foi o melhor registro que conseguimos, afinal, estava muito cedo, e estávamos em uma mata super escura e com condições de luz bastante desfavoráveis.
Andamos mais um pouco após a pinguela. Viramos à esquerda em uma das bifurcações. Andamos mais um pouco sobre uma trilha suspensa e...do nada, uma clareira surge na mata. Era uma clareira cheia de palmeiras Euterpe, conhecidas como Juçaras - endêmicas da Mata Atlântica, fora a grande quantidade de samambaiuçus.
Olhando aquela paisagem, me recordei de muitos outros cenários iguais à esse que vi no sudeste do Brasil, na Mata Atlântica litorânea. Mais um indício que prova que ali na Tabapuã, é realmente algum tipo de Mata Atlântica.
A clareira na mata |
Andamos mais um pouco, admirados com aquela bela paisagem. Na borda da mata, em uma área com muitas outras palmeiras, um som metálico ecoava "tsi-tsi-tsi-tsi-tsiiii". Era um Ilicura militaris, um tangarazinho! Essa ave é tipica da Mata Atlântica do Sudeste, mas devido ao ambiente da Tabapuã, é possível ver essa espécie na região. Lembro-me, no dia que descobriram que havia uma população desses bichos na tabapuã, a repercussão que foi...
O registro do macho |
Chamando no playback, o macho veio quente e parou em cima de nós, em um galinho. Pena que o ambiente estava escuro demais. Mas valeu a pena.
Continuamos andando até chegarmos na borda mata. Do lado esquerdo da trilha, havia uma mata grande, alta e bastante úmida, no qual adentraríamos alguns metros a frente, e do lado direito, haviam ainda algumas juçaras.
Um som peculiar ecoou pela quela clareira. Era um "vu-vuuuu, vu-vuuuu", como se fosse uma espécie de mugido. Meu coração acelerou. Olhei para um lado, pro outro, não vi nada. O som continuou por alguns minutos. Não era ilusão, realmente um Pyroderus scutatus, um Pavó. Esse bicho é super raro por aqui, algumas pessoas já o viram 2 vezes na Tabapuã.
No último segundo, olhei para a copa das árvores e vi um vulto preto levantar voo. Aí sim, caiu a ficha de que realmente era um pavó!
Enfim, sem registro fotográfico, mas só de ter escutado já fiquei feliz.
O som ecoava pela mata... |
Andamos mais alguns metros, ainda na trilha suspensa. Em uma área mais úmida, começamos a chamar o Philydor rufum, o limpa-folha-de-testa-baia. Tive a impressão de ter o escutado respondendo ao longe, beeeem no fundo da mata, mas percebemos que ele não se aproximaria, então não valia a pena ficar chamando e chamando aquele bicho.
Andamos uns 30 metros e começamos a chamar o Flautim. Uns amigos me falaram que era suuuuper complicado registrar aquele bicho lá, porque ele só aparece em algumas épocas do ano e seu território na Tabapuã é bem restrito. Andando, chamando, andando, chamando, e nada do bicho. Paramos de chamar. Eu já estava cansado daquilo, afinal já era o 3º bicho que chamamos e nem respondia.
Aí, ele respondeu, e foi só alegria! :)
Flautim no contra-luz |
Fiquei muito feliz. Logo após o flautim, o silêncio prevaleceu na mata. Andamos um pouco, e, do nada, o silêncio foi interrompido por um "creeeenk!" rouco e grave. Eu escutei a primeira vez e pensei assim "Ah, devo estar ficando louco..." e ignorei. Porém, o som voltou do nada "creeeenk, creeeenk!". Minha adrenalina derramou. O sangue gelou. Eu comecei a chorar e falei baixinho pro meu pai "Pai, tucano-de-bico-verde!!!!!!". Comecei a surtar, andar de um lado pro outro olhando para as copas das árvores e nada.
Depois de muuuuito analisar o canto gravado, realmente era o tucano-de-bico-verde! Outra ave raríssima na região, ao que eu saiba de ocorrência ainda não documentada na região.
O desespero de procurar pelo tucano! |
Andamos mais, e mais. Na trilha, escutamos um estalador, um joão-porca, o sabiá-coleira e vimos um tico-tico-de-bico-amarelo, um papa-mosca-cinzento, uma mariquita que estava agitada nas copas das árvores e muitos outros.
Em um trecho mais seco da trilha, escutamos um som clássico das montanhas da Mata Atlântica do sudeste, que era um "taum, taum, taum taum taum taum tauuuum" que, no caso, é o abre-asa-de-cabeça-cinza, outra ave de ocorrência pontual em Goiás.
Abre-asa-de-cabeça-cinza nas árvores |
O bicho não parava quieto de jeito nenhum. Pousava em um galho por 2 segundos e já voava para outro, atiçado com o playback. Uma hora ele parou no galho, e ficou ali quieto, o que possibilitou muitas fotos e gravações! Viva!
Avançando, nas proximidades da cachoeira, avistamos um bando misto, composto por Galbula ruficauda, Antilophia Galeata, Saltator maximus e uma grande surpresa....Xiphorhynchus fuscus, o ultra-raro nessa região Arapaçu-rajado.
É apenas o 3º registro fotográfico dele para a Tabapuã e o 4º para o estado de Goiás. Esse bicho surpreendeu demaaaais a gente, e conseguimos alguns registros ótimos dele!
Arapaçu-rajado no tronco |
Bem pessoal, no mais, foi isso! Espero que tenham gostado.
Confiram o segundo episódio da nossa sério "A Arte de Passarinhar" que gravamos, nesse dia, lá na Tabapuã: https://www.youtube.com/watch?v=juRbPJAoENI&t=153s